Breve ensaio sobre a memória e a meditação - Flávio Calazans

Nestes dias tenho entabulado conversações com alguns novos amigos muito jovens, e agradeço a eles a inspiração para este ensaio que divertiu-me muito enquanto escrevia-o. Sinceramente espero que traga a voce o mesmo prazer ao ler que desfrutei ao escrever!
Quando você tem uns dezoito, vinte anos de idade, em nome da tolerância começa a ceder algumas coisas em nome da convivência, por exemplo –a título de metáfora ilustrativa- se você detesta o sabor de “suco de jiló com brócolis, folha de boldo masserada, limão azedo, extremamente salgado e apimentado”, mas muitas pessoas do seu convívio apreciam, então você começa a bebericar só para acompanhar, beber socialmente;
Todavia , com o passar dos anos, lá pelos seus cinquenta, sessenta anos, você já não sabe mais se você acostumou-ser com o suco amargo e aprendeu a tolerar ou se tornou-se um hábito adquirido.
Deste modo, torna-se necessário periodicamente revisitar seus verdadeiros gostos, recordar o que voce realmente ama, as coisas que te fazem feliz, cada coisa que te comove e toca, tudo o que te deu satisfação e prazer, pois são estas coisas que dão o verdadeiro sentido à sua vida, tudo o que faz de voce quem voce é realmente, seus valores, suas crenças, aquilo pelo que voce luta para defender e preservar. Um jovem inexperiente, com pouca bagagem, uma restrita experiência de vida, na casa dos seus vinte ou trinta anos-devido a não ter suficientes parâmetros para emitir juízo ou julgamento lógico- vai achar este texto um desabafo de um caduco, um velhote senil totalmente demente; eu bem o sei pois certamente eu pensaria isto se lesse algo deste teor em tão tenra idade, não compreenderia sua dimensão real por carência de contexto.
Na verdade, quando voce acumula muitas centenas de livros lidos, centenas de filmes e seriados de televisão assistidos, centenas de lugares visitados em viagens, centenas de pratos de comida degustados, centenas de musicas ouvidas e milhares de pessoas conhecidas em conversas e diálogos, é quando então o volume de memórias passa, muito lenta e gradualmente, a ser sufocante e vai ficando fácil perder-se nesta avalanche de nomes, datas, imagens, musicas, sabores, cheiros e sentimentos, tudo parece começar a tornar-se difuso, repetitivo e monótono, desinteressante. Nesta fase disciplinas filosóficas tais quais a apatia epicurista grega e a ataraxia estóica romana podem despercebidamente começar a assumir uma tonalidade negativa, uma proporção depressiva até, muito diferente da paz tranquila yogue do estado budista do nirvana indiano ou do mú (vazio entre pensametos-respirações) do zen nipônico, um dar-de-ombros tão minado de amargura como o suco de jiló da metáfora que ilustra o primeiro parágrafo deste desabafo.
É neste estágio que sua paz de espírito estoica pode passar a ser um recolhimento e isolamento nocivos. Então vem a nosso socorro a sugestão do filósofo francês Henry Bergson no livro “Matiére et Memoire”, tão bem descrita pelo escritor francês Proust no trecho da serie de livros “La recherche des temps perdus” quando está saboreando a madeleine e o chá e o cheiro e sabor o levam a esta “memória involuntária” e recorda longos períodos de sua infância que pensava estarem esquecidas, soterradas sobre toneladas de recordações posteriores; é preciso revisitar nossos afetos, tudo o que nos afetou e gerou este afeto ou carinho, tudo o que amamos sincera e verdadeiramente
- "Um homem priivado de seu passado não é homem" Ortega y Gasset ; - "Aqueles que não conseguem lembrar o passado estão condenados a repeti-lo" George Santayana 1853 1952- “A história se repete. Esse é um dos horrores da História.”Charles Robert Darwin... "O preço da liberdade é a eterna vigilância" Thomas Jefferson.
Daí ma necessidade de frequentar (ser frequente) e ter o hábito (habitar , morar, estar sempre lá) de ouvir sempre nossas musicas mais amadas (Wagner, Vivaldi, Mozart, Beethoven, etc); de reler nossos livros (Tolstoi, Thoureau, Gandhi, Moacyr Scliar, Lima Barreto, Julio Verne, H.G.Wells, Isaac Asimov, Fernando Pessoa, Rimbaud, Clemanceau, Nietzsche, Osho, Maquiavel etc) nossas historias em quadrinhos (Asterix, Tintin, Susfista Prateado –aquela fase do Buscema- Caza, Moebius, Allan Moore, Alexandro Jodorowsky, Jim Starlin, Enki Bilal, Vaughn Bodé, François Bourgeon, Buzzeli, Pichard, Richard Corben, Wolinsky, etc), saborear sempre nossos vinhos e comidas prediletas, re-visitar lugares que nos trazem boas lembranças e, antes de tudo, conversar com nossos amigos mais antigos sempre, rir juntos de nossas memórias coletivas que são os tijolos os quais controem quem somos.
Este re-encontro com nós mesmos –como nosso centro ou self- é imprescindível para ajustar o curso de nossa vida sem perder nossa direção rumo ao futuro, nossas esperanças e principalmente ser quem realmente somos, pois somente assim, deste ponto de partida no si-mesmo, podemos meditar para sair do passado do “pretétito-imperfeito” de remorsos e lamentações e igualmente escapar da ilusão-maya do “futuro-mais-que-perfeito” de nossos sonhos, projeções e expectativas; somente a partir daí viveriamos assim no verdadeiro nirvana, na LEELA –brincadeira em sânscrito- para somente então podermos sorrir na tranquilidade fora do ego e da mente como HONTAI, aquele Buda japonês sorrindo ao ser expectador de si mesmo; vivendo o aqui-agora do gerúndio, o presente-permanente dos alquimistas, o elixir da imortalidade iluminada, a felicidade da verdadeira paz que somente existe no vazio entre os pensamentos.
Como escreveu Blaise Pascal: “Desculpe-me tê-lo cansado com uma carta tão longa, mas não tinha tempo para escrever-lhe uma carta breve” (Já vi no google esta frase atribuida a Padre Vieira e já li o mesmo conceito aplicado como autoria a DESCARTES: “Desculpe a carta longa, escreveria outra, menor, se tivesse tempo”). ------na verdade estou meio emotivo e comovido com este massacre ontem 15 de novembro de 2015 em Paris, viu que citei o chargista Wolisky -morto este ano no outro atentado do jornal Charlie- e viu que cito direto em frances, na verdade, eu estava pensando em frances quando decidi escrever, o Mauro Tavares e a Jô Domingas vão me achar afeminado se eu contar que estava chorando quando escrevi, talvez eu seja mesmo apenas mais um velhinho decrepito nostálgico caducando e balbuciando frases desconexas ;;; .

Comentários

  1. Bem meu caríssimo amigo, a cada soma de conhecimento são adquiridas compulsoriamente as responsabilidades inerentes. Os ignorantes são mais felizes que os sábios mas não sabem disso... Me lembro agora de um comentário feito por um bilionário que ancorou seu iate em uma linda e paradisíaca baia. Ao iniciar a conversa com um pescador local, disse de sua fortuna e como passara a vida toda economizando e trabalhando muito, dormindo pouco etc, para poder no fim da vida curtir aquele momento naquele maravilhoso lugar. Mas, a conversa tinha uma conotação de algo esnobe, mais um monólogo de orgulho que outra coisa qualquer. Foi aí que o pescador simples na sua inteligência disse - Pois é doutor, eu nasci e moro nesse paraíso sem que tivesse que me sacrificar tanto...

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  2. Caro Flavio Calazans,

    Sua necessidade de desabafar é perfeitamente compreensível, na medida em que o acúmulo de conhecimento traz, como consectário, a descarga de informações, tarefa que você consegue desempenhar magnificamente bem. Seus textos são uma aglomeração de lirismo, misticismo, erudição e filosofia, que nos ilumina com um fulgor radiante! Somente quando se consegue ser mestre e discípulo de si mesmo é que se pode olhar para trás e meditar acerca do seu espaço de experiência em uma viagem introspectiva de encontro ao self. Agradeço imensamente por tudo o que você tem me ensinado, e espero, sinceramente, absorver nem que seja uma parcela ínfima da sua fonte inesgotável de sabedoria.

    Um abraço,
    Gustavo Aguiar!

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  3. Caro Calazans- de fato, sou obrigado a manifestar acordo com seu texto, que está ...do balaco baco, sim senhor!! Estou claramente consciente de que temos divergencias políticas sérias, mas estamos unidos no amor ao conhecimento e em seu evidente corolário,ou seja, a obrigacão de transmiti-lo!! Desse modo, espero do companheiro ricas discordancias ou concordancias, cuidadosamente fundamentadas!! Conscientes, como estamos,de que o mundo ocidental é ignorante, ou finge ser, quanto ao problema da duracão dos momentos, cabe nos cultivar a heterogeneidade de nossas próprias militancias, colocar nosso gosto por Goscinny no mesmo patamar que nosso gosto por Louis Ferdinand Céline!! Desse modo, é claro, cabe nossa completa solidariedade com os franceses nesse triste momento, e sim, sem duvida, esperar ( e contribuir) para que o leitor de Sergio Toppi também seja, como nós, o de Lima Barreto e João Antonio (Malagueta, Perus e Bacanaco!!), torcendo para que Carl Barks tome uma geladinha com esse CENTRAL Bergson, que fico muito feliz de ver aí no seu elenco, e os dois ainda por cima chamem Spinoza pra conversar! Quanto ao resto,estamos no mais completo acordo- é preciso viver com intensidade e informacão!! Evoé!!

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    Respostas
    1. Evoé Baco ! Coragem Dionísio ! Obrigado Patati, , seu comentario é um honra vindo de uma pessoa culta e ilustrada em todos os bons sentidos destes termos, somente gostaria de sublinhar que minha indignação ética, moral e republicana como os crimes contumazes e reincidentes do Lulo Petismo não faz de mim um direitista ou nazi-fascista, apenas continuo alinhado e engajado, - como desde sempre deixei claro em minha obra desde GUERRA DAS IDEIAS , GUERRA DOS GOLFINHOS ou no livroi que denuncia a manipulação incosciente e Guerra Psicologica "Propaganda subliminar Multimidia" da ed Summus em, Sétima edição ou no "Historia em Quadrinhos na escola" terceira edição da Pasulus -onde emprego o METODO PAULO FREIRE para alfabetizar com quadrinhos (treinei por 3 anos professoras na favela MEXICO 70 em São vicente chegando ao recurso visual minimo de recoetar HQ trazida pelços proprios alunos em um FLANELOGRAFO de baixissimo custo e low tech) e mesmo nas anteriores antes no "FAZ-TEMPO" que defendo minha "utopia" de uma CONFEDERAÇÂO HELVETICA (Suíça) como modelo de organização politica e municipalismo ("microfisica do poder" de Foucault e "Sociedade aberta e seus inimigos" de Popper) , repudiando centralizações autoritáriaas fechadas e ditaduras, seja militares de direita ou stalinistas - seja pogrom e gulag ou auchwitz, a morte da liberdade é a mesma!
      Sim, estou com os antigos socialistas da liberdade contra o Politiburgo, o Soviet Supremo, a Nomenklatura, Ciaucesco, Stalin, Mao, Fidel castro e todo regime lulo-petista ou bolivariano chavista que restrinja nossos "droits de citoyens" direitos humanos como direito de ir e vir e direito a liberdade de pensamento e expressão, sim, eu seria um defensor de DREYFUS junto a Clemanceau ! Obrigado e conto com seus inspiradores comentarios em outros posts deste blog! Vc é que é "do Balaco Baco"! Evoé Baco ! adorei o trocadilho conceitual !!

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    2. Post scriptum ao Patati- Também não sou TUCANO, etou não a esquerda nem à direita, prefiro pensar que, Como Thoureau ensinou a Tolstoi que ensinou a Gandhi que ensinou a Petra Kelly (fundadora do Die Grünen- os verdes) que estamos ACIMA E Á FRENTE, na "Avant Gard" na vanguarda como "antenas da raça" !

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  4. Ando sempre no presente, lembrando o passado, visando o futuro. Por isto, hoje dou graças ao que fui ontem e amanhã darei graças ao que sou hoje porque hoje mantenho a minha essência.

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